É fácil criticar erros do passado. No entanto, aprender com esses erros e buscar formas de evitar que eles se repitam é sinal de sabedoria. Pois é exatamente a partir desse raciocínio que muitas empresas estão deixando de adotar ferramentas de tecnologia que afetam a forma de fazer negócios sem estudar detalhadamente seus processos.
As implantações de ERPs de cerca de uma década atrás são um bom exemplo do que levou a essa movimentação. Na ocasião, a maioria dos especialistas de TI entendia exclusivamente de tecnologia, enquanto os executivos de negócios ignoravam tudo aquilo que dissesse respeito a TI. O resultado é que os sistemas integrados de gestão foram desenvolvidos e instalados com base apenas nas necessidades mais evidentes do negócio.
A situação continuou a se repetir até cerca de dois anos atrás, quando surgiram os primeiros sistemas de gestão de processos, e algumas companhias começaram a identificar a necessidade de melhor integrar suas diversas áreas. O resultado é que, sem evidentemente dispensar o ERP, muitas empresas passaram a trabalhar em busca de uma gestão orientada aos processos e, para isso, vêm adotando soluções de BPM (Business Process Management). "Um projeto de BPM bem implantado prevê a verificação do fluxo de atividades, sua real necessidade e se as regras de negócios estão em ordem", exemplifica Henrique Rubem Adamczyk, diretor de TI e gestão do Boticário.
O executivo destaca que esse tipo de procedimento evita frustrações com falhas de integração ou adequação à demanda da companhia. "É uma maneira de estabelecer indicadores e fazer mensurações de forma a garantir o crescimento contínuo da empresa", indica Adamczyk. Para o diretor de TI do Boticário, com a ferramenta de BPM, a tradicional parada para revisão, otimização e adequação dos aplicativos às novas necessidades da empresa serão extintas."As alterações serão feitas conforme as demandas, mas de maneira contínua. Será uma gestão mais inteligente", acredita. "O BPM pode garantir uma evolução contínua para a organização."
Adamczyk fala com conhecimento de causa. No final de 2003, a gigante de cosméticos decidiu investir 500 mil reais em um projeto de redesenho de processos. O valor inclui consultoria, treinamento e licenças do software ARIS Tools, da IDS Scheer. O executivo conta que formou uma equipe de mais de 70 profissionais do Boticário para redesenhar e mapear todos os processos e atividades da companhia, e só então colocar a ferramenta da IDS em operação.
Entre os objetivos que levaram o Boticário a desenvolver o projeto de BPM estavam a busca por maior integração entre as áreas da organização, preservar e compartilhar o conhecimento dentro da empresa e agilizar os processos decisórios. "Isso é fundamental para sustentar uma gestão estratégica", afirma Adamczyk. "Com processos bem-estruturados, as atividades da organização fluem melhor, sem a necessária intervenção dos executivos, que podem dedicar mais tempo a questões de maior relevância", sugere. Além disso, de acordo com o executivo, com o BPM, ficam mais claros os papéis e as responsabilidades de cada área e seus profissionais.
Outra companhia que identificou a importância do BPM para a evolução de seus negócios foi a Rexam (antiga Latasa), que há dois anos adquiriu licenças do BPM da Ultimus. Marcelo Ramires Ribeiro, gerente corporativo de TI, também defende a adoção do BPM para facilitar a flexibilidade de manutenção e ajustes conforme mudam as necessidades da empresa. "Você consegue automatizá-lo e adequá-lo a eventuais necessidades sem descaracterizar o software", explica Ribeiro.
Ao contrário do Boticário, que em uma tacada só automatizou seus mais de 300 processos e subprocessos, a Rexam vem adotando a cultura de BPM aos poucos. De acordo com Ribeiro, atualmente são 15 processos automatizados. "O desenvolvimento é contínuo, acontece desde um ano e meio atrás, e deve se estender por 2006", conta o responsável pela área de TI da fabricante de latas.
Segundo Ribeiro, os desenvolvimentos externos e a consultoria para isso já custaram à empresa cerca de 150 mil reais. Outros 150 mil reais foram gastos inicialmente, com a aquisição da ferramenta da Ultimus e o desenvolvimento inicial. Sem dizer ao certo quando, o CIO garante que o retorno sobre o investimento seguramente já foi alcançado.
Como fica o ERP?
No caso da Rexam, Ribeiro explica que o BPM é, grosso modo, uma interface com o sistema de gestão. Todos os processos revistos e incluídos na ferramenta de controle de processos da companhia possuem uma interface com o ERP - o BPCS, da SSA Global. O executivo conta que é mais econômico adotar um BPM a comprar mais licenças para o ERP. Isso porque o sistema de gestão é cobrado conforme o número de pessoas que o acessam. "A Ultimus cobra por processos automatizados. Assim, todos os funcionários podem ter acesso ao sistema sem que seja cobrado nada a mais por isso", justifica. "O ERP tem uma visão departamental e não de processos, além de seu uso ser normalmente restrito a alguns usuários. Com o BPM, você consegue um gerenciamento melhor."
Isso não significa que uma ferramenta irá substituir a outra - são aplicativos complementares. O que muda, de acordo com Ribeiro, da Rexam, é que agora há mais detalhes para trabalhar os processos controlados. Para Adamczyk, do Boticário, as funções do ERP são mais transacionais. "Ele é importante, mas precisamos avaliar outros quesitos, novas metodologias, e a estrutura organizacional, incluindo o perfil das pessoas. Coisas que um ERP não faz", afirma o diretor de TI.
Cultura BPM
Os bons resultados não são frutos somente de um BPM bem implantado. "Os resultados vêm do conjunto de estruturação do gerenciamento de processos com ERP e BI, entre outras ferramentas", assegura Adamczyk. O executivo revela que, com a cultura de alinhamento tecnológico e de gestão, o índice de controle do estoque chegou a 99% no Boticário. "Nunca tivemos uma medição tão representativa", admite. Além disso, a empresa deve conseguir um ganho de 2,3 milhões de reais nos próximos dois anos, resultado do redesenho dos processos de propriedade intelectual. Ou seja, aqueles que envolvem marcas e patentes.
Outro benefício trazido ao Boticário pelo BPM foi a facilidade na migração do ERP BPCS para o SAP. "O trabalho de revisão de processos foi fundamental para atender aos anseios da organização ao invés de simplesmente colocar o ERP para rodar", conta Adamczyk. Segundo o executivo, o trabalho, que poderia levar mais de um ano, durou oito meses graças ao trabalho feito pelo projeto de BPM.
Na Rexam, até seis meses atrás, antes do início do monitoramento de alguns processos, 90% das notas fiscais recebidas tinham discrepâncias em relação ao pedido de compra. O controle dessas divergências, de acordo com Ribeiro, era difícil porque o processo dependia de algum profissional acessar o ERP, fazer a aprovação manualmente e alterar as notas para obter as informações corretas. Com o BPM, foi possível criar uma intermediária para o usuário controlar o recebimento de notas. Quando uma divergência é detectada, o sistema automaticamente informa as pessoas envolvidas. Assim, as discrepâncias caíram para 10%.
A exemplo da maior parte das implementações de TI, no caso do BPM, apenas colocar uma ferramenta de gestão de processo em uso não é suficiente. É preciso atuar na cultura da organização e fazer com que as pessoas tenham esse entendimento.
Tanto na Rexam quanto no Boticário, existe um trabalho de educação dos funcionários. "As diferentes áreas precisam entender que seus trabalhos são complementares, um departamento materializa o projeto do outro", diz Adamczyk, acrescentando que, no Boticário, já há a discussão de processos entre equipes distintas.
Intranet com cara de BPM
Com os objetivos de transformar, cada vez mais, a área de Tecnologia da Informação em uma unidade de negócios dentro da empresa, integrar suas diversas equipes e garantir seu crescimento contínuo, a holding Brampac criou internamente um sistema que faz as vezes de um BPM. Formada por cinco companhias da indústria química -Nitriflex, Cromitec Piracicaba, Cromitec Bahia, Nitriflex Manaus e Cromex Resinas -, a Brampac mudou o foco do trabalho de sua área de TI.
Ao invés de simplesmente implementar software, a área passou a cuidar da organização de processos.Valdemir Raymundo, gerente corporativo de TI, conta que cerca de um ano e meio atrás, a holding lançou o PRB (Projeto de Racionalização Brampac). A iniciativa envolveu profissionais internos e externos, e consistiu no redesenho e mapeamento de todos os processos da organização. Feito isso, de acordo com Raymundo, a equipe concluiu que uma intranet poderia ser parte integrante de um plano de redução de custos.
Há seis meses, a intranet foi ao ar. Por lá os funcionários do grupo têm acesso a status de vendas e finanças, relatórios de processos, normas de clientes, planos de publicidade e políticas internas de qualidade, preços e treinamento, entre outros dados. Raymundo conta que a intranet também permite acesso compartilhado ao sistema de ERP. "Embora não tenhamos a essência do software, criamos uma metodologia de BPM. Nosso trabalho é muito similar ao conceito e estamos utilizando os ditames do PMI (Project Management Institute) para a execução das tarefas", explica.
Para Raymundo, o BPM é uma evolução do business intelligence. "Enquanto no BI tradicional, normalmente, as ações são reativas, com uma orientação baseada em históricos, no BPM o trabalho é mais pró-ativo, com orientações visando ao futuro", diferencia o executivo. Outro aspecto importante do BPM está relacionado à rapidez com que as informações chegam e são transformadas em ações. E isso também é alcançado com o uso da intranet.
Segundo o gerente de TI da Brampac, a holding já economizou cerca de 445 mil reais desde o início do PRB. "Esse número inclui apenas valores tangíveis", revela Raymundo. Entre os intangíveis, Raymundo garante que a holding atingiu mais rapidez na solução de problemas, maior controle de gastos, satisfação dos colaboradores e integração corporativa, entre outros benefícios.
Por Fernanda K. Ângelo, do COMPUTERWORLD